Fábio Miguel já chama “mamãe”, “papai” e completa com o “já” quando os pais contam: “1, 2, 3 e”. Imita o “miau” do gatinho e quer falar o próprio nome. Também está aprendendo a rolar. Levou dois tombos do sofá nesses dias! Apesar do susto, houve comemoração.
Marcelo e Priscila fazem uma lista das conquistas diárias do filho. Cada novo movimento – até mesmo a queda do sofá, sem machucados – é motivo de alegria e alívio.
Não foi uma única vez. Foram vários os momentos em que médicos pediram para os pais se prepararem. “Ele pode não passar dessa noite”, avisavam. Depois, disseram que o menino iria viver em “estado vegetativo”, classificação tão difícil de entender. O que estariam dizendo?
Com quase três anos, Fábio Miguel interage com a mãe, faz pose para a foto e fica atento ao desenho preferido que passa na televisão. O portão bate lá fora e de imediato ele vira a cabecinha para saber o que está havendo.
A última notícia recebida é a de que o menino seria surdo. Estão fazendo exames para confirmar, mas a mãe custa a acreditar. E ele vai dando sinais de que continua com a mesma força de quando veio ao mundo, lutando para sobreviver com menos de dois quilos, revertendo expectativas médicas e certezas científicas.
– Ele lutou muito para estar aqui. É um guerreiro, um milagre. A gente era muito feliz, mas a vida teve outro sentido depois que ele chegou.
É a mãe, Priscila Bastos, quem diz, com o pai todo emocionado fazendo coro ao lado.
Fábio Miguel foi planejado e esperado. Os pais tentavam há alguns meses quando o positivo no exame veio, em 2016.
Priscila conta que a gestação foi tranquila até completar 30 semanas e cinco dias. Ela teve uma cólica, buscou o médico e depois de altas, novas dores, exames e sua insistência, por sentir que algo não estava bem, descobriram que bebê e mãe corriam risco, caso não fosse realizado um parto de urgência.
O pai, Marcelo Bastos, não pôde assistir seu filho nascer. Ele conta que os médicos foram enfáticos ao dizer que o bebê poderia chegar sem vida. Mas Fábio Miguel chorou no parto, tranquilizando um pouco o coração da mãe.
– Aí começou a luta dele aqui fora.
Priscila só pôde conhecer o filho 15 horas depois do nascimento, na UTI neonatal.
Parecia que tudo estava bem, só uma questão de tempo para amadurecer e ganhar peso: ele nasceu com 1,250 quilos e 37 centímetros.
No terceiro dia de vida, porém, o pequeno começou a ter dificuldades para respirar, foi entubado um pouco depois e o quadro foi piorando. Os pais tiveram que voltar para casa sem Fábio Miguel.
– Você sair de casa com a barriga cheia e voltar de braços vazios é a pior sensação do mundo.
Nas palavras doídas da mãe.
Vieram infecções, hemorragias cerebrais, transfusões de sangue, muitas medicações. Com um mês e 14 dias, ele fez sua primeira cirurgia, para a correção do problema respiratório.
Depois, veio a suspeita de que havia contraído o citomegalovírus na gestação e os exames para a confirmação. Aos dois meses, os médicos fizeram uma ressonância e viram que parte do cérebro estava comprometida. Veio a notícia do possível “estado vegetativo”.
– Pelo que mostrava no exame, ele iria mexer só a bola do olho. Mas ele já mexia os braços, as pernas, virava, ia para frente na incubadora.
Os pais chegavam ao hospital sem saber o que iriam encontrar. Uma notícia alegre vinha quase ao mesmo tempo de outra triste.
– Nessa vida de hospital você enfrenta de tudo… bebês que não sobrevivem, dias bons e ruins. Eu tirei forças do Marcelo e ele tirou de Deus.
A mãe se apegava ao pai, que recorria à fé. Marcelo conta que guardou só consigo muitas das más notícias trazidas pelos médicos. Queria amenizar um pouco o sofrimento de Priscila.
Todos os dias, eles rezavam antes de dormir e a caminho do hospital. A oração de são Miguel Arcanjo, para o pequeno Miguel, era uma das preces diárias.
No Natal, conseguiram estar com o pequeno até um pouco além dos horários que a UTI permitia. Eram só três visitas ao dia, com períodos pequenos de permanência.
– Foi o pior Natal da nossa vida…
Aos três meses de vida, as notícias boas começaram a ser mais prevalentes. A expectativa de ir para o quarto se completou aos 79 dias.
A mãe ficou 25 dias internada junto com o pequeno, se preparando para o momento de levá-lo para casa. Marcelo reinventava as horas do dia entre o trabalho, a conclusão da faculdade de Direito e a função de pai. Passava madrugadas no hospital, ia trabalhar no outro dia, voltava à noite.
Fábio Miguel tem duas datas de aniversário. No dia 25/03/2017 os pais comemoraram a vinda do filho para casa e instituíram que ali ele nascia de novo.
– Quando ele nasceu, eu não fiz o repouso da cesárea, nada disso. Porque queria estar no hospital. Quando ele veio para casa, era como se eu estivesse vivendo a cesárea. Tinha a sensação de sentir a cirurgia ali.
Em casa, as lutas diárias continuaram. Fábio Miguel precisou passar por mais três cirurgias: retirada de uma hérnia, correção do refluxo, gastrostomia.
Com um ano e seis meses, veio o diagnóstico da paralisia cerebral. Depois, os pais souberam que o pequeno tem microcefalia. Os acompanhamentos médicos são muitos e constantes: pediatra, neurologista, gastro, infectologista, otorrino, terapia ocupacional, fonoaudióloga, equitação, e por aí vai.
Para os pais, a lista que importa, porém, é a das conquistas diárias.
– A gente tem que aproveitar a possibilidade de estar com ele todos os dias. O que eu quero é que ele viva, mais nada.
O pai diz, com o complemento da mãe:
– Ele nos trouxe o significado da calma, paciência. Nos fez entender que as coisas não funcionam no tempo que a gente quer. Nós comemoramos um dedo que ele consegue mexer. Damos valor a cada detalhe.
Só agora a mãe está retomando o trabalho. Não conseguia ficar longe se seu pequeno.
– Ele é o meu ar. Não consigo viver sem ele.
Entende, porém, a importância de Fábio Miguel frequentar a escola regular. As aulas começaram faz alguns dias. Por que não?
Os planos que fazem para o filho nada têm a ver com a melhor faculdade e o emprego bem-sucedido, porém. Querem o mais simples – e importante:
– Eu quero que ele seja feliz! E se eu puder lutar pelos obstáculos ao lado dele, eu vou. Só quero ver o sorriso no rosto dele.
Nas palavras da mãe.
O pai não esconde. Sonhava, sim, em jogar futebol com seu menino. Continua sonhando, mas de um jeito diferente.
– Eu agarro na mão dele e nós vamos. Devagarinho, mas vamos.
O principal desafio, eles dizem, não está em conquistar ao lado de Fábio Miguel. Mas em fazer com que as pessoas entendam e integrem o menino, como ele é.
– O cruel é que o mundo não está pronto para receber o diferente.
As histórias de preconceito já se acumulam. Mas os pais seguem firmem. Aprendem diariamente com Fábio Miguel que a força mora bem dentro.
Comemoram o primeiro aninho do filho com o tema do Pequeno Príncipe. No segundo, também teve festa. Assim como em todas as datas que podem estar com Fábio Miguel.
As fotos estão na parede de casa, coladas junto a um enorme adesivo que fala da importância da família: “Amo muito tudo isso”.
Estão juntos nessa – e em todas as outras que virão.